O som do silêncio: 6 músicas que foram censuradas durante a ditadura militar.

A música é constantemente presente no nosso cotidiano, é uma expressão artística que desde sua origem possui um objetivo: transmitir um sentimento, atualmente os artistas brasileiros desfrutam de plena liberdade de expressão, lançando músicas sobre variados temas e oferecendo representatividade para inúmeras causas, as músicas representam um refúgio ao povo brasileiro refletindo suas realidades e aspirações, entretanto nem sempre a indústria musical brasileira conseguiu de aproveitar essa liberdade.

No dia 1º de abril de 1964, o Brasil sofreu um golpe político que retirou o então presidente João Goulart do poder e instaurou um governo autoritário liderado pelo militar Humberto de Alencar Castelo Branco, dando início a um regime ditatorial que duraria 21 anos, encerrando-se apenas em 1985. Durante esse período, manifestações culturais passaram a ser fortemente perseguidas e censuradas, sob responsabilidade da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP).

Uma das práticas mais comuns durante esse governo foi a implantação dos “Atos Institucionais” (AI), que ampliavam os poderes do regime. Entre eles, destacou-se o AI-5, que determinou o fechamento do Congresso Nacional e resultou na intensificação do controle sobre músicas, filmes, peças, livros e outras expressões artísticas. Diversos artistas tornaram-se alvos da censura com músicas vetadas e direitos retirados, alguns se exilaram do país e outros foram até presos. Abaixo, destacam-se 6 músicas censuradas durante o regime.

1. A Cidade Contra o Crime – Gonzaguinha.

Gonzaguinha (1945-1991) era conhecido pelos seus posicionamentos políticos, tentou algumas vezes driblar a censura, nessa música o cantor narra um assalto, onde eu-lírico expressa sua insatisfação com a situação que está vivendo ao mesmo tempo que percebe que o assaltante também vive em condições desfavoráveis. No documento oficial, o censor destaca a frase “jacaré no seco anda” como o principal motivo para a censura, tendo desagradado o censor por sua interpretação ambígua.

Fonte:https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/centrais-de-conteudo/imagens-e-documentos-do-periodo-de-1964-1985/censura/cancao-a-cidade-contra-o-crime-de-gonzaguinha-censurada-em-janeiro-de-1980

2. Flor da Idade – Chico Buarque.

A música foi produzida para a trilha sonora do filme “Vai Trabalhar, Vagabundo”, dirigido por Hugo Carvana, retrata relações amorosas e as nuances da juventude, foi vetada por conter conteúdo erótico e um refrão com duplo sentido que poderia ser interpretado com cunho político. Chico Buarque teve diversas músicas censuradas ao longo do período ditatorial, mas frequentemente conseguia driblar os censores com suas letras metafóricas.

Fonte:https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/centrais-de-conteudo/imagens-e-documentos-do-periodo-de-1964-1985/censura/letra-da-cancao-201cflor-da-idade201d-de-chico-buarque-censurada-em-junho-de-1973

3. Cálice – Gilberto Gil e Chico Buarque.

Uma das músicas mais famosas e mais emblemáticas de protesto contra a ditadura, o jogo de palavras na letra chamou atenção dos censores, “Cálice” foi originalmente censurada devido ao seu duplo sentido, que permitia interpretações de críticas ao regime, interrompida durante sua primeira apresentação, a liberação só foi ocorrer cinco anos depois e nessa nova versão Milton Nascimento canta os versos de Gilberto Gil.

Fonte: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/centrais-de-conteudo/imagens-e-documentos-do-periodo-de-1964-1985/censura/letra-da-composicao-calice-de-gilberto-gil-e-chico-buarque-censurada-em-maio-de-1973

4. As Duas Faces de Eva – Rita Lee.

Rita Lee (1947-2023) uma das cantoras mais influentes no cenário musical brasileiro, conhecida pela sua forte personalidade e posicionamentos políticos chegando até ser presa durante o regime, teve sua música censurada devido ao trecho “mulher é bicho estranho, todo mês sangra”, que faz referência ao ciclo menstrual feminino. Os censores consideraram que a frase poderia abrir espaço para discussões sobre temas considerados tabus e apesar de tentativas de mediação para liberar a canção, a música continuou proibida. Foi lançada anos depois com algumas modificações e um novo nome “Cor de Rosa-Choque” com colaboração de Roberto de Carvalho.

Fonte: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/centrais-de-conteudo/imagens-e-documentos-do-periodo-de-1964-1985/censura/letra-da-cancao-201cas-duas-faces-de-eva201d-de-rita-lee-censurada-em-marco-de-1981

5. Homossexual – Luiz Ayrão.

Com essa música Luiz Ayrão faz uma crítica à maneira como a homossexualidade era tratada na sociedade. O trecho “não aplaudir, mas não crucificar” expressa o desejo de respeito às pessoas sem necessariamente exigir a aprovação, no entanto, a música foi censurada devido à proibição da divulgação da homossexualidade imposta pela legislação da época, não foi possível recuperar a obra para sua disponibilização.

Fonte: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/centrais-de-conteudo/imagens-e-documentos-do-periodo-de-1964-1985/censura/composicao-homossexual-de-luiz-ayrao-censurada-em-abril-de-1972

6. Surra de Chicote – Luiz Melodia.

Com uma letra que explora o desejo e as relações humanas, a música de Luiz Melodia (1951-2017) foi considerada ofensiva pelos censores por sua letra explícita, conforme os censores, a letra atentava contra a moral e apresentava conteúdos de conotação sado-masoquista que não eram bem vistos na época.

Fonte: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/centrais-de-conteudo/imagens-e-documentos-do-periodo-de-1964-1985/censura/letra-da-cancao-surra-de-chicote-de-luiz-melodia-censurada-em-abril-de-1973-por-apresentar-conteudo-sado-masoquista-e-atentar-contra-a-moral

Como observado apenas um trecho ou uma palavra que não seguissem os padrões impostos era o suficiente para sua proibição e impedimento de circulação, isso afetava significativamente a carreira dos artistas em uma época que a divulgação ocorria quase exclusivamente pela rádio, outras manifestações culturais como marchas carnavalescas e peças de teatros também foram censuradas, a peça “Os Saltimbancos” de Chico Buarque tomou diversas advertências dos censores assim como “Eles não usam Black-tie” de Gianfrancesco Guarnieri.

Essas obras representam não apenas a luta dos artistas pela liberdade de expressão e direitos humanos, mas também a resistência cultural em um dos períodos mais sombrios da história brasileira. A censura, embora tenha tentado silenciar vozes críticas, acabou tornando essas manisfestações símbolos de resistência e memória do regime autoritário, caso tenha interesse, ouça aqui, algumas outras músicas que também foram censuradas durante esses anos.

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