Quando terminamos de consumir algum artigo de mídia é comum o desejo de explorar mais sobre aquele universo, ficar divagando sobre o que poderia acontecer se a trama tivesse seguido outro caminho, e uma das formas mais convencionais de sanar essa curiosidade é vasculhar nas redes sociais sobre o livro, série, filme ou o reality show que você assistiu. Mas e se, depois disso tudo… essa urgência de interesse não for embora?
É nesse momento que entra a arte da fanfic. Interpretando literalmente, fanfiction (fan “fã”, fiction “ficção”) consiste numa ficção escrita por fãs sobre livros, séries, filmes, quadrinhos e outros, mas essa definição não está totalmente correta se não for adicionado que esse tipo de ficção é feito de uma história original escrita em um contexto não profissional ou semiprofissional, levando em consideração a relação comercial de venda das obras. As primeiras fanfics a serem compartilhadas datam desde os anos 1970, com os fãs de Star Wars publicando fanzines (‘revista de fã’), mas alguns autores discordam e apontam que, na verdade, o início do compartilhamento de fanfics foi realizado nos anos 1900, com os primeiros clubes de leitura de Sherlock Holmes, onde a massa de fãs ingleses reescrevia o personagem por meio de cartas.
Por mais contemporâneo que o gênero textual seja, sua existência já está entre nós há anos, e sua escrita sendo feita por autores que até se surpreende imaginar: o poeta, dramaturgo e ator inglês, William Shakespeare foi um dos mais antigos praticantes do gênero, utilizando personagens “emprestados” de outros autores para criar obras. E muitas obras atualmente possuem autores que passaram pelo gênero textual, seja numa escrita para treinamento ou na criação de uma obra que atingiu um público tão grande que “explodiu a bolha” e se tornou um livro físico para mercado. Aqui está uma lista de autores famosos e que já escreveram clássicos da literatura mundial:
- Romeu e Julieta de William Shakespeare, com A trágica história de Romeus e Julieta de Matteo Bandello;
- Otelo de William Shakespeare, com The Moorish Captain;
- Divina Comédia de Dante Alighieri, com Bíblia – Foi também a primeira fanfic a ser escrita com autoinserção, sendo Dante, o próprio autor, o personagem a ser acompanhado na trilogia;
- Paraíso Perdido de John Milton, com Bíblia;
- Eneida de Virgílio, com Odisseia e Ilíada;
- Ulisses de James Joyce, com Odisseia;
- O Único e Eterno Rei de T. H. White, com Le Morthe d’Arthur;
- O Chamado Selvagem de Jack Landon, com My Dogs in the Northland de Egerton R. Young;
- Os três mosqueteiros de Alexandre Dumas, com Mémoires de Monsieur d’Artagnan;
- Instrumentos Mortais de Cassandra Clare;
- 50 tons de cinza de E. L. James, com Crepúsculo;
- Carry On de Rainbow Rowell, com Harry Potter;
- A Hipótese do Amor de Ali Hazelwood, com Star Wars;
- & E todos os universos criados por Rick Riordan sobre as mitologias Grega, Nórdica e Egípcia!
Tendo em mente que qualquer pessoa pode estar por trás de uma obra, o seu escritor favorito ou um completo desconhecido, a forma como o leitor pode se identificar, e gostar tanto do gênero, pode vir a ser pelo aspecto cultural que o autor agregou aos personagens utilizados, dando mais profundidade e mais faces ao que o leitor nem pensava ser possível. O acréscimo de identificação do leitor na obra que ele está consumindo ajuda muito na continuação daquela leitura, então é normal que autores de fanfics mudem fatos como etnia, grupos sociais, sexualidade, religião e até mesmo gênero de alguns personagens para criação de um vínculo maior com o público alvo que quer atingir – e sendo feito de forma correta e respeitosa, o passado e o futuro dessas mudanças, maior será o grupo de leitores daquela obra. Essas novas características e composições na história dos personagens pode ser chamado de headcanon, “canon” é um termo utilizado para se referir a algo oficial da obra, logo um headcanon é um elemento criado totalmente pelo fã.
Existe uma divisão de opiniões muito grande na pauta de direitos autorais dos autores originais das obras utilizadas para confecção das fanfics, e são dois lados que possuem válidos argumentos e que não existe um certo ou um errado, e não reconhecer os dois lados é de grande ignorância por parte dos leitores. O primeiro lado a ser destrinchado é o dos autores, que pedem pelos seus devidos direitos autorais sobre as obras, e não é errado por parte deles levantar essa bandeira pois são horas de trabalho sendo gastas sobre uma obra, é um desafio iniciar e finalizar um livro e estão certos em pedirem esse reconhecimento. O segundo lado dessa discussão é o que defende que as obras que seguem o gênero textual em pauta são, na verdade, tributos e novas leituras das peças utilizadas, colocando os autores originais num pedestal de inspiração e admiração.
Como uma leitora ávida e que consome tanto obras originais quanto fanfics, reconheço os dois lados e acredito que não haja um errado, e que favorecer um nessa discussão é tirar o direito do outro de se expressar e utilizar-se da arte.
Guia de sites para leitura
- Archive of Our Own (AO3) é a plataforma mais recomendada e com o mais extenso e completo acervo de fanfics, que possui ferramentas de filtro de leitura que otimizam e facilitam a escolha da próxima leitura, por este fato é um dos sites mais complicados de navegar caso seja iniciante na área. É um site 100% gratuito e que não obtém lucros pelas obras escritas. O AO3 já foi muitas vezes hackeado por grupos de opressores que buscam censurar a plataforma por conta dos livros escritos que têm ideais políticos, de gênero e sexualidade, de religiões e de raças diferentes das compartilhadas pelos grupos, e para a manutenção da segurança do site e contas de energia para manter os servidores funcionando, é aberto o ano todo uma aba só para contribuições e doações, comprando mercadorias personalizadas do site. O AO3 permite o download de suas fanfics em formatos de AZW3, EPUB, MOBI, PDF e HTML.
- Spirit Fanfics é outra recomendação bem famosa, sendo que seu momento de mais conhecimento foi em meados dos anos 10, quando ainda era gratuito. Hoje é uma plataforma em que grande parte de seus recursos está no plano pago mas que ainda possui seus benefícios de forma gratuita, porém a opção de leitura offline do aplicativo só está disponível para assinantes. O Spirit também possui uma aba exclusiva para aulas de português.
- Nyah! Fanfiction / +Fiction é um site brasileiro completamente gratuito, criado em 2005, na época o site tinha um foco maior em fanfics de séries, filmes e livros, posteriormente criando abas para bandas e celebridades, quadrinhos, animes, jogos, poesias, doramas, novelas e obras originais. Hoje o site segue pelo nome de +Fiction.
- FanFiction.net é o mais antigo site de fanfics criado, sendo fundado em 1998, em Los Angeles. Possui diversas categorias mas todas focadas na ficção, não tendo nenhuma categoria sobre pessoas reais. O site possui sua versão em aplicativo, e é completamente gratuito.
- Wattpad é o mais famoso de todos os aplicativos e sites citados, tendo seu reconhecimento mundial por ser de onde nasceu a saga de livros After de Anna Todd, que também ganhou uma coletânea de filmes seguindo o mesmo nome. Tem um repertório que é composto tanto de fanfics baseadas em livros e filmes quanto obras originais, tornando-se o principal destino para novos escritores e leitores. É uma plataforma que possui aplicativo, e neste tem um sistema de votação que ajuda as obras a ganharem mais visibilidade dentro do Wattpad. Antes gratuito, o site adquiriu uma abordagem mais mercantil ao sistema após o sucesso da saga After, onde agora grande parte dos recursos fornecidos só podem ser concedidos pós assinatura de plano.
- A fanfic como gênero textual - 20/12/2024