Você já teve a experiência de ler um livro que deixou seu coração quentinho? Um livro que te acolheu e o fez refletir sobre questões da vida cotidiana? E você sabia que existe um gênero literário que consegue transmitir todas essas sensações? Essa é a ficção de cura (em inglês: Healing Fiction).
Esse termo surgiu no final da década de 1990 em uma publicação de James Hillman, psicólogo estadunidense fundador da Escola Arquetípica. Em seu livro Ficções que curam, o autor busca a resposta para o desejo da alma, o que a alma quer, e, ao final de seu estudo, constata que a alma quer uma história que cure. Daí surge esse termo.
Atualmente, esse gênero é composto por diversos títulos que se tornaram best-sellers. Mas o que faz ele ser tão procurado? Todos os livros desse estilo literário se passam em lugares comuns, do cotidiano. As capas trazem elementos comuns a todos que vivem uma vida ordinária, isto é, habitual. As histórias se passam em ambientes mais comuns ainda, como livrarias acolhedoras, bibliotecas localizadas no anexo de uma escola primária, um velho sebo de livros com cheiro de mofo, lavanderias fantásticas, lojas de conveniências e cafés cheios de gatos.
No decorrer das histórias, os personagens conversam entre si sobre os problemas da vida e como podem resolvê-los, ou só aprender a conviver com eles. As narrativas se prolongam de forma lógica, porém sem muitas reviravoltas. Não é como um livro de fantasia que você espera um grande plot twist no final. Talvez esse seja o motivo de eles serem uma leitura tão boa e fácil. Às vezes, precisamos apenas de “gente normal” fazendo coisas de “gente normal”, por isso a sensação de quentinho no coração e acolhimento.
Muitos dos livros desse gênero são provenientes dos países do leste asiático, como a Coreia do Sul e Japão, e podem ter elementos fantásticos e fantasiosos. Para conhecer mais desse gênero, recomendo a leitura de alguns livros. São eles:
1. Bem-vindos à livraria Hyunam-Dong, da escritora Hwang Bo-Reum.
Neste livro você vai encontrar a história da Yeongju e a sua livraria. No decorrer da narrativa, somos apresentados a outros personagens importantes para a história, tanto para nossa protagonista, quanto para a livraria. Conforme a própria Yeongju aprende a administrar a livraria, ela também aprende sobre si mesma, entendendo toda a complexidade dos seus sentimentos, curando-se nesse processo. Neste romance você vai encontrar diálogos profundos, muitos livros, personagens cativantes, mas uns meio chatos também, risadas, e talvez algumas lágrimas, nesse caso só se você tiver o coração mole.
“Quanto mais lemos, mais empáticos nós ficamos. Os livros nos fazem parar e olhar para as pessoas à nossa volta, em vez de viver incessantemente em busca do sucesso. Por isso, acho que se mais pessoas lessem, o mundo seria melhor” (p. 43).
“Será que existe alguém que nunca tenha estado no fundo do poço? Pensei bastante sobre isso e cheguei à conclusão de que não […] Então disse a mim mesma que estava na hora de parar de me sentir vazia. Em vez de me encolher no fundo do poço, eu me levantei. E, para a minha surpresa, o poço não era tão fundo assim. Quando percebi isso, eu ri, imaginando tudo o que perdi vivendo dentro daquele poço. E, naquele momento, a brisa bateu no meu rosto e me senti grata por estar viva” (p. 147).
2. A biblioteca dos sonhos secretos, da autora Michiko Aoyama.
Este livro acompanha a história de cinco pessoas que estão “perdidas” na vida. Você vai encontrar a Tomoka, que acha que seu trabalho é inútil; Ryo, que quer ser dono do seu próprio antiquário; Natsumi, que vê sua carreira dos sonhos ser interrompida porque se tornou mãe; Hiroya, que ainda não sabe qual o seu lugar no mundo; e por fim, Masao, um idoso aposentado que não sabe o que fazer com todo o tempo livre que tem.
Também encontrará Sayuri Komachi, que é a bibliotecária da biblioteca do Centro Comunitário de Tóquio. Como uma boa bibliotecária, ela presta um ótimo serviço de referência, conseguindo identificar os livros sobre os assuntos que cada um dos usuários solicita, mas, no final, sempre dá seu toque na lista solicitada. Junto com essas indicações, ela entrega um brinde feito por ela de forma artesanal como uma forma de presentear o usuário. Apesar de passar a imagem de ser uma bibliotecária rígida e fria, ela é uma ótima ouvinte e sempre dá bons conselhos.
“Um sonho não pode ‘acabar’ enquanto você estiver dizendo ‘um dia’! Ele vai continuar para sempre sendo um lindo sonho. Mesmo não se concretizando, creio que essa também é uma forma de vida. Sonhar sem ter um plano definido não é uma coisa ruim. Isso torna seus dias alegres. […] Mas você deve tentar, se deseja saber o que existe para além do sonho” (p. 63).
“A vida é sempre uma grande aventura! Não importa em que situação você esteja, as coisas não caminham como previsto! Mas, por outro lado, também nos esperam surpresas alegres. Muitas vezes acontece de pensarmos ‘Que bom que as coisas não saíram como eu esperava. Foi melhor assim’. Precisamos parar de achar que é má sorte ou fracasso quando nossos planos ou nossas previsões dão errado. Mudando nossa perspectiva, transformamos a nós mesmos e a nossa vida!” (p. 125).
3. Meus dias na livraria Morisaki, do autor Satoshi Yagisawa.
Ao contrário dos outros já citados, esse tem uma dose a mais de comédia, já que a relação entre os protagonistas é bem caótica. Takako é uma jovem no auge de sua juventude. Tem 25 anos, uma vida tranquila e um namorado. O que poderia dar errado? Pois bem, o namorado deu errado. Após ela descobrir que ele iria casar com outra pessoa que não era ela, Takako deixa o emprego e entra em um estado de tristeza profunda. Nesse momento, ela recebe a ligação de seu excêntrico tio, Satoru. Ele é o responsável por cuidar do negócio da família, a livraria Morisaki, que fica em um dos bairros com maior número de livrarias do mundo.
Seu tio a convida para ajudar a cuidar da livraria, então Takako se muda para o andar de cima do lugar. Apesar de terem personalidades bem diferentes, logo eles se entendem e começam a se apoiar. Satoru influência Takako a amar os livros, e assim, com o passar do tempo, ela vai se entendendo e conseguindo resolver seus dilemas, e depois consegue ajudar outras pessoas com esses dilemas. Uma coisa muito legal deste livro, é que ele já possui uma continuação que tem como título “Uma noite na livraria Morisaki”.
“De vez em quando a gente tem que parar tudo e reavaliar. É como se fosse uma parada na longa viagem que é a vida. Aqui é como um cais, onde você ancorou seu navio por um tempo, para descansar. Quando se sentir melhor, é só zarpar de novo” (p. 41).
“Não tenha medo de amar as pessoas. Eu quero que você ame muitas pessoas sempre que puder. Mesmo que isso possa levar à tristeza, não deixe de amar as pessoas. Estar sozinha, sem amar ninguém, é muito triste. Não quero que, por causa do que aconteceu daquela vez, você fique com medo de amar as pessoas. Amar é maravilhoso, por favor, não se esqueça disso. As memórias de amar alguém nunca desaparecem completamente do coração. Elas continuam aquecendo os corações das pessoas para sempre” (p. 83).
Essa é a literatura de cura, com elementos simples, cenários aconchegantes, enredo envolvente e conforto em forma de palavras.